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    Problemas respiratórios em cães. Por onde começar?

    As consultas relacionadas com problemas respiratórios em cães são as mais frequentes na prática clínica habitual.1

    Introdução

    O tratamento dos problemas respiratórios em cães é complexo. Por um lado, os sinais clínicos são, muitas vezes, comuns a diferentes doenças. Por outro lado, esses sinais nem sempre se devem a uma doença respiratória primária, já que também podem ser provocados por cardiopatias ou outras doenças sistémicas.2

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    Por isso, parece lógico que, perante um cão com sinais clínicos de doença respiratória, os primeiros passos a dar sejam estabelecer que porção do aparelho respiratório está afetada (cavidade nasal, vias respiratórias superiores ou inferiores, parênquima pulmonar ou espaço pleural) e se o animal apresenta uma doença respiratória primária ou se o quadro clínico tem outra causa. Isto permitirá estabelecer com precisão uma lista de diagnósticos diferenciais, facilitará a seleção dos testes de diagnóstico mais indicados e possibilitará um tratamento empírico racional até concluir a abordagem diagnóstica.1,2

    Localização dos problemas respiratórios em cães

    Na primeira consulta, é importante determinar, tal como referimos acima, qual é a parte do trato respiratório que está afetada. Fazemos isto procedendo a uma avaliação dos sinais clínicos que o doente apresenta, a qual complementamos com uma boa histórica clínica e, obviamente, um exame físico completo.

    SECREÇÃO NASAL

    A presença de secreção nasal sugere um problema respiratório ao nível da cavidade nasal. Contudo, ela também pode ser observada em doentes com broncopneumonia eosinofílica e pneumonia bacteriana, dado que estes animais, ao tossir, expelem material para a nasofaringe e, posteriormente, para o exterior através das fossas nasais.2,3 Nas doenças da cavidade nasal, a secreção costuma ser acompanhada por outros sinais, tais como espirros, espirro reverso ou respiração ruidosa.

    As etiologias mais frequentes incluem doenças virais do trato respiratório superior, corpos estranhos ou problemas dentários. Em casos causados por corpos estranhos, a secreção é inicialmente serosa e progride para a mucosa, como consequência da inflamação ou da infeção bacteriana secundária. A secreção nasal unilateral deve levar à suspeita de corpo estranho, trauma, abcesso de uma raiz dental/fístula oronasal, infeção fúngica em estado inicial, ou neoplasia.2 

    ESTERTORES / ESTRIDORES

    A presença de estertores/estridores reflete a existência de resistência à passagem do ar, a qual ocorre geralmente no trato respiratório superior, mas pode também aparecer em cães com doença no trato inferior.1,2 Os estertores (que podem ser quer inspiratórios, quer expiratórios) costumam ver-se em cães com:

    • estenose nasal 
    • alongamento/espessamento do palato mole 
    • edema ou eversão dos ventrículos laríngeos 

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    Os estertores são frequentes em cães braquicéfalos desde idades precoces, podendo piorar com o desenvolvimento de outros processos respiratórios ou da obesidade. Alguns donos podem assumir que este tipo de respiração é normal na raça.2 Os estridores (classicamente inspiratórios) aparecem sobretudo em doentes com paralisia ou colapso laríngeo.2

    problemas respiratórios em cães

    TOSSE

    A tosse ocorre como consequência da estimulação dos recetores da tosse presentes entre as células epiteliais das vias áreas ao nível da laringe, traqueia e brônquios.2,4 A irritação dos brônquios mais pequenos, bronquíolos ou alvéolos não causa tosse.4 A tosse é associada mais frequentemente a problemas nas vias superiores e ao colapso estático ou dinâmico da via aérea, normalmente devido a debilidade da parede traqueal ou bronquial (traqueomalácia, broncomalácia ou traqueobroncomalácia).2

    • As pneumonias não têm por que causar tosse a não ser que o processo se estenda na via aérea (broncopneumonia com produção de esputo).
    • Ao contrário do que se pensa tradicionalmente, o edema pulmonar, quer seja cardiogénico ou não, não costuma causar tosse, porque, a esse nível, não há recetores da mesma.  Os doentes com edema pulmonar que tossem fazem-no porque se produz irritação da via aérea ou porque há tanto fluido no espaço alveolar que chega às vias superiores, onde há recetores da tosse.4,5
    • Os cães com tosse produtiva podem aspirar ou ter arcadas depois de tossir, devido ao excesso de secreção na via aérea.2
    • Em cães expostos a concentrações de animais, uma tosse forte e seca sugere infeção por Bordetella spp (tosse do canil)ao passo que uma tosse mais suave e crónica pode indicar uma infeção por gripe canina.
    • Em cães de desporto com tosse crónica que responde parcialmente a antibióticos, há que considerar uma possível pneumonia por corpos estranhos.

    A auscultação em doentes com tosse é fundamental

    A presença de crepitações suaves é compatível com edema pulmonar, mas, se forem fortes, o mais provável é que seja uma pneumonia.2  

    Em doentes com dificuldade respiratória, deve prestar-se atenção ao padrão respiratório para diferenciar um padrão obstrutivo (respirações lentas e profundas) de um padrão restritivo (respirações curtas, rápidas e superficiais). Um padrão obstrutivo na inspiração sugere problemas ao nível das vias superiores e na expiração sugere problemas ao nível das vias inferiores, mas pode haver exceções.6

    Os animais com hipoxemia severa apresentam uma postura de ortopneia típica com cotovelos abducentes, pescoço estendido, narinas alargadas e expressão de pânico, uma vez que só conseguem concentrar-se em tentar respirar.2,6

    A presença de taquipneia geralmente sugere doença parenquimatosa ou pleural. A taquipneia secundária à doença parenquimatosa costuma ter um percurso insidioso, enquanto a que é resultante de pneumotórax costuma ser aguda, e a que é causada por efusão pleural pode ser tanto aguda, como crónica.2

    A auscultação e percussão cuidadosas destes doentes pode dar pistas sobre a origem da doença:

    • Em geral, as doenças parenquimatosas têm como característica a presença de sons pulmonares aumentados ou de sons adventícios. Na efusão pleural, os sons pulmonares auscultam-se nos campos mais dorsais e atenuam-se ou não se auscultam ventralmente, e, ao revés, no pneumotórax.2
    • Um som surdo à percussão torácica é compatível com a presença de líquido na zona, ao passo que um som ressonante sugere pneumotórax.2 Nestes doentes, é fundamental uma auscultação cardíaca cuidadosa para detetar sopros, taquicardia e sons de galope que possam sugerir que os problemas respiratórios são causados pela existência de uma insuficiência cardíaca.2

    Conclusões

    Os problemas respiratórios em cães são um motivo de consulta frequente. Nestes doentes, uma boa anamnese e um exame físico completo, que, obviamente, incluirá uma auscultação meticulosa, podem localizar qual a porção do trato respiratório que está afetada. Isso permitirá otimizar os testes de diagnóstico a realizar, tornando possível um tratamento mais rápido e eficaz.  

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    Bibliografia
    1. Tong CW, Gonzalez AL. (2020). Respiratory Emergencies. Vet Clin North Am Small Anim Pract; 50:1237-1259.
    2. Johnson LR. (2013). Localization of Disease. Em Johnson LR(ed). Clinical Canine and Feline Respiratory Medicine. Willey-Blackwell: 3-12.
    3. López J. (2017) Sneezing and Nasal Discharge. Em Ettinger SP, Feldman EC, Cote E. (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine. 8th ed. Elsevier: 510-517.
    4. Ferasin L. (2017) Coughing. Em Ettinger SP, Feldman EC, Cote E. (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine. 8th ed. Elsevier: 503-509.
    5. Ferasin L, Linney C. (2019). Coughing in dogs: what is the evidence for and against a cardiac cough? J Small Anim Pract; 60:139-145. 
    6. O’ Sullivan ML. (2017) Tachypnea, Dyspnea and Respiratory Distress. Em Ettinger SP, Feldman EC, Cote E. (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine. 8th ed. Elsevier: 518-522.