Anti-inflamatórios caninos: uso racional de AINE
Introdução
Os AINE para cães são utilizados principalmente no tratamento da osteoartrite e da doença articular degenerativa, além de no controlo da dor pós-operatória.3 Embora, em geral, possam ser considerados fármacos seguros, não estão isentos de causar efeitos adversos.
Portanto, e para evitar estes problemas, é importante que o clínico conheça o seu mecanismo de ação, indicações e contraindicações.
Mecanismo de ação
Os efeitos clínicos da maioria dos AINE, tanto os positivos como os negativos, são consequência da inibição da enzima ciclooxigenase, que intervém na síntese de prostaglandinas. As prostaglandinas intervêm em processos como a inflamação, a proteção da mucosa gástrica contra lesões e a regulação do fluxo sanguíneo ao nível renal.3 Tradicionalmente, eram reconhecidas 2 isoenzimas da cicloxigenase: a COX-1 ou “constitutiva” e a COX-2 ou “induzível”. Posteriormente, descreveu-se uma terceira isoenzima, denominada COX-3, com ação central e que poderia explicar a ação analgésica do metamizol e do paracetamol. No entanto, o termo COX-3 foi rejeitado por alguns autores que a consideraram uma variante da COX-1.2
A inibição da atividade das prostaglandinas permite controlar o processo inflamatório, mas pode resultar em efeitos adversos ao inibir as ações benéficas que estas têm a nível orgânico. Estes efeitos estão associados, pelo menos parcialmente, à atividade da COX-1 (que se encontra principalmente no estômago, rim, endotélio e plaquetas), ao passo que a atividade da COX-2 está associada à inflamação.
Por outro lado, recentemente comercializou-se uma nova classe de anti-inflamatórios caninos, os antagonistas dos recetores de prostaglandinas EP4, que exercem os seus efeitos através da inibição seletiva de um único recetor prostanoide sem inibir as outras funções homeostáticas das prostaglandinas. Teoricamente, isto melhoraria o perfil de segurança destes fármacos em relação aos inibidores da COX, mantendo os seus efeitos benéficos.4
Efeitos adversos dos anti-inflamatórios caninos
A administração de AINE pode induzir efeitos adversos a vários níveis, sendo os mais frequentes os digestivos (irritação, ulceração ou perfuração gastrointestinal, enteropatia perdedora de proteínas) e depois os renais. Outros efeitos adversos incluem a necrose hepatocelular induzida por AINE, que se considera extremamente rara, e a prolongação do tempo de sangramento pelos seus efeitos na agregação plaquetária.3,5
Atualmente aceita-se que os inibidores COX-2 seletivos têm um perfil de segurança melhor que os não seletivos, sobretudo a nível digestivo. Este facto provavelmente está relacionado com a não inibição da COX-1 a esse nível.3 No entanto, também não estão isentos de possíveis efeitos adversos;6 na verdade, esse caráter seletivo sobre a COX-2 que os torna mais seguros a nível digestivo poderia resultar numa maior suscetibilidade para afetar negativamente a função renal do cão, especialmente em animais com doença renal crónica prévia, nos quais os efeitos da COX-2 sobre as prostaglandinas contribuem para manter o equilíbrio de fluidos e o fluxo sanguíneo renal.7
Indicações
A maioria dos anti-inflamatórios caninos comercializados em Espanha está registada para o alívio da inflamação, da dor musculoesquelética aguda ou crónica e da dor pós-cirúrgica, embora, em alguns casos, a indicação seja apenas para o tratamento da artrose. Não há evidências concretas que mostrem uma maior eficácia e/ou menos efeitos adversos de um AINE comparativamente aos restantes.5 Portanto, mesmo podendo ser considerados fármacos seguros quando administrados nas doses recomendadas e nas condições adequadas, é importante tomar precauções nas situações que possam favorecer a apresentação de acontecimentos adversos.
Contraindicações
De um modo geral, desaconselha-se o uso de AINE em doentes anémicos ou com coagulopatias, na presença de hipovolemia ou hipotensão, doença gastrointestinal, doença hepática ou doença renal.2,6 Contudo, nem todas estas situações devem ser consideradas contraindicações absolutas (por exemplo, é frequente a administração de AINE em doentes geriátricos com doença renal crónica e artrose) e é o clínico quem deve avaliar a relação risco-benefício da sua administração e, consequentemente, monitorizar adequadamente o animal.
Recomenda-se evitar a coadministração de AINE e corticoides ou de 2 AINE simultaneamente. Embora tenha sido aconselhado um período de “lavagem” (washout) de 1-7 dias quando há necessidade de mudar de um AINE para outro, não há evidências associadas, exceto no caso hipotético de se querer substituir um inibidor COX-2 pela aspirina.2
A administração simultânea de AINE, furosemida e IECA pode favorecer o aparecimento de danos renais, pelo que, nesses casos, é importante fazer-se uma monitorização adequada, e o mesmo se forem administrados AINE juntamente com fármacos potencialmente nefrotóxicos.5
Com o objetivo de se reduzir a prevalência de efeitos adversos ao nível digestivo, é frequente a administração conjunta de inibidores da bomba de protões. No entanto, um estudo recente concluiu que, embora o omeprazol seja um fármaco de primeira escolha para o tratamento do sangramento gastrointestinal induzido por AINE, o seu uso profilático para o evitar não apresenta qualquer benefício e poderá causar inflamação intestinal e disbiose fecal.8
Quanto ao uso perioperatório de AINE, considera-se que a sua administração parentérica após a indução anestésica fará com que os seus efeitos estejam presentes após a conclusão do procedimento cirúrgico, facilitando a recuperação. Contudo, se existir um risco de hipotensão, hipovolemia ou diminuição da perfusão renal, aconselha-se a sua administração ao finalizar a cirurgia ou no momento da extubação.6
A administração de AINE a longo prazo pode afetar negativamente a cicatrização óssea, portanto, foi desaconselhado o seu uso para além do período perioperatório (2 semanas) em doentes submetidos a cirurgia ortopédica.9
Conclusões
A administração de AINE faz parte do dia-a-dia do clínico. Geralmente, o seu uso é seguro, mas é importante não esquecer que não estão isentos de causar efeitos adversos. Portanto, devem ser usados quando realmente estejam indicados, nas doses adequadas e com uma monitorização adaptada a cada caso em particular.