Úlcera no olho do cão: diagnóstico e tratamento
A córnea é a parte anterior da túnica fibrosa ocular, que é transparente e permite a passagem da luz para a retina. No cão, trata-se de uma estrutura não vascular, não pigmentada, sem vasos linfáticos e com fibras nervosas não mielinizadas. É composta por quatro camadas:
- Epitélio corneal
- Estroma corneal
- Membrana de Descemet
- Endotélio corneal
Cada um destes estratos da córnea reage de forma distinta às agressões do exterior. A nível do epitélio, as células migram e reproduzem-se para compensar o defeito. Assim, por exemplo, as úlceras epiteliais não complicadas cicatrizam sem fibrose associada, e sem originar cicatrizes. No estroma a cicatrização costuma ser lenta e incompleta1, pelo que a córnea cicatrizada será menos espessa. Ao nível da membrana de Descemet, a cicatrização implica a presença de células do endotélio; em relação à cicatrização do endotélio corneal, esta deverá ser realizada através da migração de células adjacentes, devido ao facto de carecer de capacidade mitótica.
Além disso, existe uma série de fatores internos e externos que influenciam esta cicatrização, e conhecê-los ao mesmo tempo que se sabe a causa da úlcera corneal será essencial para podermos estabelecer o tratamento mais adequado.
Como diagnosticar uma úlcera corneal e, mais especificamente, uma Descemetocele?
O diagnóstico das úlceras corneais requer a realização de uma exploração ocular exaustiva. Esta exploração deverá ser bilateral e incluir a avaliação de todas as estruturas do globo ocular e zonas anexas, o exame de Schirmer, a verificação do efeito Tyndall, a medição da pressão intra-ocular, a visualização do fundo do olho e a aplicação de corantes vitais como a fluoresceína e a rosa bengala. É recomendável iniciar a exploração física pelo exame de Schirmer, e finalizá-la com a coloração por fluoresceína. Os sinais clínicos característicos das úlceras corneais dependem da idade, raça e tipo de úlcera corneal, sendo que se distinguem dois tipos fundamentais:
- Úlcera da córnea simples: São as úlceras a nível do epitélio e do estroma anterior, que não apresentem infeção secundária e cuja causa seja conhecida.
- Úlcera da córnea complicada: São aquelas cujos mecanismos de cicatrização se vêem alterados, cuja causa ainda não foi estabelecida, ou que afetam metade (ou mais) da espessura corneal. Além disso, todas as úlceras corneais complicadas se consideram como estando infetadas.
Desta forma, classificamos o descemetocele no cão como sendo sempre uma úlcera complicada, pelo simples facto da sua localização. As úlceras complicadas apresentam sintomas e sinais comuns:
- Blefarospasmo
- Edema
- Neo-vascularização
- Sinais de uveíte moderada
- Certo grau de infiltração celular
Em função da profundidade das úlceras, o blefarospasmo é menor e os sinais de uveíte aumentam. Em relação ao descemetocele, caracteriza-se por manifestar poucos sinais de dor ocular, são tingidos com fluoresceína apenas na sua zona periférica e mantêm o leito da úlcera mais transparente do que a zona periférica, onde o estroma apresenta edema. Será essencial termos em conta que o seu diagnóstico é mais difícil em cachorros, dado que a sua membrana de Descemet é mais fina e elástica, o que pode originar protuberâncias que podem ser confundidas com uma bolha da córnea.
Qual o seu tratamento?
O tratamento da grande maioria das úlceras corneais é do foro clínico, com uma vigilância constante do animal. É necessário averiguar a causa da úlcera (corpo estranho...) para a podermos tratar, e administrar anti-inflamatórios por forma a melhorar a sintomatologia. No caso da úlcera complicada, ou da úlcera superficial com sinais de infeção, serão administrados antibióticos. Adicionalmente, o tratamento das úlceras complicadas irá incluir o uso do colar isabelino (cone). Em relação ao tratamento específico para o descemetocele, e apesar de que apenas com o tratamento médico se consiga o crescimento do epitélio e se possa revestir o leito da úlcera, o estroma não irá recuperar a sua espessura. Por essa razão, para evitar a perfuração, os descemetoceles são sempre tratados de forma cirúrgica, por forma a cobrir o defeito. Além disso, a cirurgia permite recuperar a transparência da córnea e da visão. As técnicas mais utilizadas são: aba conjuntival pediculada, transposição corneo-conjuntival, ceratoplastias e utilização de bio-materiais.