Tipos de fezes de cães: importância de uma classificação objetiva
Introdução
As características dos tipos de fezes de cães podem ser influenciadas pela raça e idade do animal, agentes patogénicos digestivos, dieta, estilo de vida e outros fatores ambientais.1
É importante que os tutores saibam reconhecer como devem ser as fezes de um cão saudável, já que assim podem evitar consultas desnecessárias ao veterinário ou facilitar o diagnóstico de determinados processos.
Neste sentido, as escalas visuais de fezes permitem atribuir um valor objetivo em função do aspeto das mesmas. Os diversos sistemas de pontuação publicados classificam os tipos de fezes em 4-13 categorias (desde fezes líquidas a fezes formadas, muito duras e secas, variando a pontuação considerada normal segundo a escala).1 Portanto, é muito útil dispor de uma escala visual impressa* para consulta que possa ser apresentada ao tutor para atribuição de uma pontuação concreta às fezes em cada uma das consultas, de modo a conseguir avaliar-se corretamente a evolução de cada caso.
Etiologia das alterações nos tipos de fezes de cães
Em geral, as alterações na consistência das fezes indicam a presença de diarreia (aumento da frequência, fluidez e/ou volume das fezes) ou obstipação (evacuação pouco frequente e difícil de fezes secas e excessivamente duras).2
- Dependendo da sua evolução, a diarreia pode ser aguda (< 3 semanas) ou crónica (> 3 semanas).
- De acordo com a sua origem pode ser tanto do intestino delgado como do grosso, ou de ambos. (Tabela 1).
A diarreia aguda de intestino delgado pode ter causas:
- Anatómicas,
- Dietéticas,
- Infeciosas (parasitárias, bacterianas ou víricas),
- Tóxicas,
- Ou por doenças extraintestinais e metabólicas.
Por outro lado, a diarreia crónica pode resultar de:
- Doenças extraintestinais (hepato-pancreáticas, renais, endócrinas, infeciosas ou autoimunes)
- Ou gastrointestinais (infeciosas, neoplásicas, anatómicas ou mesmo enteropatias crónicas).
Embora, de um ponto de vista histológico, existam diferentes tipos de enteropatia crónica, estas foram classificadas em três de um ponto de vista terapêutico:
- Enteropatia que responde à dieta,
- Enteropatia que responde a antibióticos
- E enteropatia que responde aos corticoides (sendo esta última equivalente à doença inflamatória intestinal - IBD)2
Diagnóstico
A maioria dos casos de diarreia aguda é autolimitada e não requer um grande esforço diagnóstico. Em cães com uma doença mais grave, seriam indicadas análises hematológica, bioquímica geral incluindo iões, coprológica, serológica de doenças infeciosas compatíveis e exames imagiológicos dependendo da evolução.
Por outro lado, os cães com diarreia crónica requerem uma avaliação diagnóstica mais completa, que além dos exames anteriores incluirá a avaliação das funções hepática (teste dinâmico de ácidos biliares), pancreática (cTLI, cPLI), adrenal (cortisol basal e/ou estimulação ACTH) e intestinal (cobalamina e folatos), anticorpos de Leishmania spp (em zonas endémicas), e ainda ecografia abdominal.
Caso não se obtenha um diagnóstico, pode realizar-se um ensaio terapêutico com dieta de eliminação/hidrolisada durante 2 semanas, antes da realização da endoscopia e provável biópsia.3
Tratamento
Muitos cães com diarreia aguda não requerem tratamento ou podem ser controlados apenas com dieta. Nos casos em que se identifique uma causa, esta deve ser corrigida.
Em doentes com diarreia crónica, sempre que possível, deve tratar-se a causa primária. Tradicionalmente, quando não se identificava a causa da diarreia, muitos cães eram tratados com dietas hipoalergénicas/de eliminação e antibióticos, como opção prévia antes de realizar endoscopia e biópsia. Contudo, recentemente foi indicado que, tal como acontece com a administração de corticoides ou outros imunossupressores em cães com diarreia crónica, os antibióticos devem ser administrados apenas depois de a biópsia intestinal ter permitido excluir outras causas de diarreia. Se a biópsia não for possível, os antibióticos são indicados apenas se os testes com dieta, prebiótico e probióticos e anti-inflamatórios não tiverem sido eficazes.4
Prognóstico
A maioria dos casos de diarreia aguda tem um bom prognóstico, mas este é muito variável em cães com diarreia crónica. Neste sentido, torna-se muito útil a utilização de escalas de pontuação clínica como a CCECAI, que permite estabelecer a gravidade da doença e avaliar de modo objetivo a sua evolução e prognóstico.5
Conclusões
A utilização de sistemas de pontuação objetiva que permitam avaliar as alterações nos tipos de fezes de cães é muito útil para estabelecer o diagnóstico e avaliar a evolução em doentes com transtornos digestivos agudos ou crónicos.
Bibliografia
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