VT_Tematica_Medicina interna_detail.jpg VT_Tematica_Medicina interna_detail.jpg
  • Tempo de leitura: 4 mins

    Pneumotórax em cães: diagnóstico e tratamento

    A abordagem do pneumotórax em cães pode representar um desafio diagnóstico e terapêutico para o clínico.

    A acumulação de ar/gás na cavidade torácica é definida como pneumotórax. O ar pode alcançar o espaço pleural através de 3 vias: pleurocutânea, pleuropulmonar ou pleuroesofágica.

    Solicite GRATUITAMENTE o póster de avaliação do estado corporal de cães

    Dependendo da sua etiologia, o pneumotórax em cães pode ser classificado como: 

    • espontâneo, 
    • traumático (o mais frequente, 50% dos casos) ou 
    • iatrogénico; pode ainda ser aberto ou fechado de acordo com a sua fisiopatologia.1,2 

    Fisiopatologia do pneumotórax em cães

    O pneumotórax traumático pode ser aberto ou fechado dependendo de se existe ou não lesão penetrante na parede torácica. O pneumotórax tem repercussões fisiopatológicas tanto ao nível respiratório como cardiovascular. A entrada de ar no espaço pleural resulta em atelectasia pulmonar, já que, em condições fisiológicas, a pressão intrapleural é negativa. Isto manifesta-se inicialmente como taquipneia e respiração superficial e, à medida que a entrada de ar no espaço pleural vai aumentando, ocorre hiperventilação.2

    Pneumotórax fechado

    No pneumotórax fechado, a teoria mais aceite é que o ar chega ao espaço pleural por causa da rutura dos alvéolos após um trauma torácico. Muitos destes pneumotórax são autolimitantes e resolvem-se sem tratamento.1 

    O pneumotórax espontâneo é um pneumotórax fechado sem antecedentes traumáticos ou iatrogénicos. Geralmente, o ar provém do parênquima pulmonar, mas pode vir do esófago, da traqueia ou dos brônquios. Divide-se em primário (etiologia desconhecida) e secundário (doença pulmonar subjacente).1

    Pneumotórax aberto

    No pneumotórax aberto, o ar entra no tórax durante a inspiração e sai durante a expiração, mas ocorrem pequenas alterações nas pressões intratorácicas entre ambos os hemitórax que contribuem para o desenvolvimento de atelectasia pulmonar do lado afetado.

    Se, por alguma razão, o ar não conseguir sair durante a expiração, ocorre uma acumulação progressiva do mesmo, conhecida como pneumotórax hipertensivo. O ar exerce pressão mecânica sobre as estruturas intratorácicas, que é inicialmente compensada pelo doente com a expansão do tórax. Quando os músculos inspiratórios, incluindo o diafragma, atingem a expansão máxima, deixam de executar a sua função. Ao nível cardiovascular, a perda da pressão negativa intrapleural resulta numa diminuição do retorno venoso para o coração. Além disso, a hipoxemia produzida nestes doentes pode causar vasoconstrição pulmonar com o subsequente aumento da resistência vascular a esse nível, insuficiência cardíaca direita e redução do débito cardíaco, o que pode desencadear choque cardiovascular e morte. 

    O pneumotórax hipertensivo pode ocorrer tanto em pneumotórax espontâneos como traumáticos. É o mais frequente em doentes com pneumotórax fechado, mas também pode ocorrer com pneumotórax aberto.1

    pneumotórax em cães

    Diagnóstico 

    Pode haver suspeita de pneumotórax traumático com base na história clínica e no exame físico, ao passo que o espontâneo causado por bolhas pulmonares pode ser mais difícil de diagnosticar, já que a origem do processo não é identificada na abordagem clínica de rotina. Os cães com pneumotórax apresentam um padrão respiratório restritivo, com respirações rápidas e superficiais. Os tutores podem reportar dificuldade respiratória, taquipneia, tosse, vómitos, letargia, ansiedade, mucosas pálidas ou cianóticas e intolerância ao exercício.

    Solicite GRATUITAMENTE o póster de avaliação do estado corporal de cães

    O exame físico de doentes com traumatismo grave pode revelar fraturas costais, hemorragias, enfisema subcutâneo ou tórax flutuante, entre outros achados. Se o pneumotórax for grave, pode verificar-se uma diminuição dos sons broncovesiculares ao nível dorsal e abafamento dos sons cardíacos ventralmente. A parede torácica pode parecer hiper-ressonante à percussão e até timpanizada no caso do pneumotórax hipertensivo.

    Uma toracocentese com agulha ou agulha borboleta pode confirmar a suspeita diagnóstica e, simultaneamente, ser terapêutica.1

    A avaliação radiológica (3 projeções) destes doentes é fundamental para o diagnóstico, mas deve ser feita sempre num animal estável e evitando situações que possam criar ansiedade ao cão.1 O pneumotórax é geralmente bilateral e radiologicamente é reconhecido pela ausência de vasos e parênquima pulmonar nos campos pulmonares mais periféricos, assim como pela elevação da silhueta cardíaca em relação ao esterno na vista lateral.2 

    A radiologia permite diagnosticar a existência de pneumotórax espontâneo com precisão (sensibilidade de 100% num estudo),3 mas a sua capacidade para diagnosticar a existência de bolhas pulmonares nestes doentes é geralmente < 50%, tendo sido até reportada uma sensibilidade de 8,3%.1,4

    A realização de uma tomografia computorizada (TC) aumenta a sensibilidade diagnóstica, tendo sido recentemente reportada uma sensibilidade entre 57-69% e um valor preditivo positivo de até 79% da TC na deteção de bolhas pulmonares em doentes com pneumotórax. 2-4 Para aumentar a sensibilidade, recomenda-se a obtenção de imagens tanto em decúbito dorsal como esternal5 Por outro lado, a TC demonstrou ser uma técnica particularmente útil para localizar o local da perfuração em cães com pneumotórax causado por migração de corpos estranhos vegetais.6

    Um estudo em cães com pneumotórax induzido mostrou que a ecografia pulmonar poderia ser mais sensível do que a radiografia torácica na deteção de pneumotórax leve, mas estes dados devem ser verificados em estudos que incluam um número adequado de cães com doença espontânea.7 Por último, em casos complexos, a toracoscopia vídeo assistida pode ser uma ajuda diagnóstica importante.1

    Tratamento

    O tratamento do pneumotórax em cães depende da causa, gravidade e apresentação clínica. O primeiro passo é estabilizar o doente recorrendo a repouso, administração de oxigénio, drenagem torácica, encerramento de possíveis feridas abertas com ligadura oclusiva e, simultaneamente, evacuação do ar do espaço pleural. A toracocentese melhora a função respiratória de modo imediato, permitindo também estabelecer o diagnóstico. Se forem necessárias mais de 2 toracocenteses em menos de 24 horas para manter o doente estável, recomenda-se a colocação de um tubo de toracostomia, podendo ser necessário um sistema de sucção contínua se o ar se acumular rapidamente. Se o tubo tiver de ser mantido mais de 3-5 dias, provavelmente estará indicada uma abordagem cirúrgica.1

    Muitos cães com pneumotórax traumático podem ser tratados com uma abordagem conservadora, mas o tratamento cirúrgico é considerado o de eleição no pneumotórax espontâneo por reduzir em grande escala a percentagem de recidivas (3-14% versus 50%).1,8,9 Em casos recorrentes, pode recorrer-se à pleurodese e aos agentes esclerosantes.1

    O prognóstico do pneumotórax traumático tratado antes do desenvolvimento de sinais clínicos graves é excelente. No pneumotórax espontâneo, o prognóstico é bom, com sobrevivências a 2-5 anos > 80%.9

    Conclusões

    O pneumotórax causa uma alteração significativa da fisiologia respiratória e cardiovascular que pode levar à morte do doente. O diagnóstico precoce baseado no exame físico, radiológico e na realização de uma toracocentese é fundamental para o tratamento do doente. Muitos casos de origem traumática podem ser tratados de modo conservador, mas a abordagem cirúrgica melhora as perspetivas dos doentes com pneumotórax espontâneo.

    New call-to-action

    Bibliografia
    1. Pawloski D, Broaddus KD. Pneumothorax: a review. J Am Anim Hosp Assoc. 2010;46:385-397
    2. Johnson LR. Pleural and Mediastinal Disease. Em: Johnson LR (ed). Clinical Canine and Feline Respiratory Medicine. Willey-Blackwell. 2013; 154-177. 
    3. Au JJ, Weisman DL, Stefanacci JD, et al. Use of computed tomography for evaluation of lung lesions associated with spontaneous pneumothorax in dogs: 12 cases (1999-2002). J Am Vet Med Assoc. 2006;228:733-737.
    4. Lipscomb VJ, Hardie RJ, Dubielzig RR. Spontaneous pneumothorax caused by pulmonary blebs and bullae in 12 dogs. J Am Anim Hosp Assoc. 2003;39:435-445. 
    5. Dickson R, Scharf VF, Nelson NC, et al. Computed tomography in two recumbencies aides in the identification of pulmonary bullae in dogs with spontaneous pneumothorax. Vet Radiol Ultrasound. 2020;61:641-648. 
    6. Tréhiou CB, Gibert S, Sériot P, et al. CT is helpful for the detection and presurgical planning of lung perforation in dogs with spontaneous pneumothorax induced by grass awn migration: 22 cases. Vet Radiol Ultrasound. 2020;61:157-166.
    7. Hwang TS, Yoon YM, Jung DI, et al. Usefulness of transthoracic lung ultrasound for the diagnosis of mild pneumothorax. J Vet Sci. 2018;19:660–666.
    8. Puerto DA, Brockman DJ, Lindquist C, et al. Surgical and nonsurgical management of and selected risk factors for spontaneous pneumothorax in dogs: 64 cases (1986-1999). J Am Vet Med Assoc. 2002;220:1670-1674.
    9. Howes CL, Sumner JP, Ahlstrand K, et al. Long-term clinical outcomes following surgery for spontaneous pneumothorax caused by pulmonary blebs and bullae in dogs - a multicentre (AVSTS Research Cooperative) retrospective study. J Small Anim Pract. 2020;61:436-441.