VT_Tematica_Medicina interna_detail.jpg VT_Tematica_Medicina interna_detail.jpg
  • Tempo de leitura: 5 mins

    Hiperadrenocorticismo no cão: dexametasona na avaliação da função adrenal

    Introdução

    O hiperadrenocorticismo (HAC) é uma das endocrinopatias mais frequentes em cães seniores, mas pode ser uma doença de difícil diagnóstico.2

    Solicite GRATUITAMENTE o póster de avaliação do estado corporal de gatos

    No HAC canino não existequalquer exame diagnóstico com uma sensibilidade/especificidade de 100%, por isso, o diagnóstico é geralmente estabelecido com base no quadro clínico e nos resultados de vários testes de função adrenal, assim como exames imagiológicos.2

    Fisiopatologia do hiperadrenocorticismo

    O HAC pode ser dependente ou independente da hormona adrenocorticotrópica (ACTH) e, no cão, o HAC ACTH-dependente representa 80-85% dos casos.

    Geralmente, este é causado por um adenoma funcional da hipófise que causa secreção autónoma de ACTH, hiperplasia adrenocortical bilateral e excesso crónico de glucocorticoides. Em casos raros pode ser causado por secreção ectópica de ACTH.2 Por outro lado, o HAC ACTH-independente representa 15-20% dos casos. Normalmente é causado por um tumor adrenal secretor de cortisol, geralmente unilateral, que exerce um mecanismo de retroalimentação negativa sobre a secreção de ACTH, causando atrofia das células secretoras de cortisol da glândula contralateral e das não neoplásicas da glândula afetada.2 Embora seja pouco frequente, um doente pode apresentar ambos os tipos de HAC simultaneamente.

    Para além destes, criou-se o termo HAC oculto/atípico para referir cães com uma história, exame físico e alterações clinicopatológicas compatíveis com HAC, mas cujos resultados dos testes de função adrenal são normais. No entanto, ainda não foi totalmente esclarecido se este tipo de HAC existe como uma entidade independente ou se estes doentes têm formas ligeiras ou precoces de HAC.3,4

    Quadro clínico do hiperadrenocorticismo

    Os sinais clínicos do HAC são consequência do aumento do catabolismo proteico e da atividade gliconeogénica e lipolítica, assim como dos efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores associados ao excesso de corticoides.

    Os sinais clínicos mais frequentes são:

    • Poliúria/polidipsia, polifagia, abdómen pendente, hepatomegalia, debilidade muscular e hipertensão sistémica.
    • Ao nível cutâneo, costuma observar-se alopecia, pele fina com cicatrização deficiente, pioderma e calcinosis cutis.2,4

    Diagnóstico do hiperadrenocorticismo

    Algumas alterações clinicopatológicas ocorrem frequentemente no HAC e podem sugerir a sua existência. As alterações hematológicas mais frequentes incluem eosinopenia, linfopenia, monocitose e trombocitose. Ao nível bioquímico é frequente detetar-se um aumento na concentração de fosfatase alcalina, ALT, colesterol e glicose e uma redução na de ureia. Na urianálise costuma observar-se uma densidade < 1,015, assim como proteinúria e bacteriúria.2

    No entanto, sem um quadro clínico que o sustente, estas alterações a nível analítico não são consideradas uma indicação suficiente para a realização de testes de função adrenal.2,5

    hiperadrenocorticismo

     Quando se recomenda realizar testes de função adrenal?

    Nas seguintes situações:

    • Doentes com história e resultados do exame físico compatíveis com HAC,
    • Existência de um tumor macroscópico na pituitária ou de uma massa adrenal,
    • Doentes diabéticos com resposta fraca a altas doses de insulina sem outra explicação,
    • Presença de hipertensão sistémica de etiologia desconhecida.5

    A avaliação dinâmica da função adrenal é necessária para se estabelecer a existência e a origem do HAC, visto que o caráter pulsátil da secreção de cortisol faz com que a sua determinação como parâmetro isolado não tenha valor diagnóstico nesta doença.5

    Solicite GRATUITAMENTE o póster de avaliação do estado corporal de gatos

    Os testes diagnósticos mais usados na prática clínica incluem a supressão com dexametasona, a estimulação com ACTH e o cálculo do quociente cortisol/creatinina na urina, mas, neste artigo, iremos abordar apenas o uso da dexametasona em cães com suspeita de HAC.

    Avaliação da função adrenal com dexametasona no cão

    O uso da dexametasona em cães como parte do diagnóstico do HAC baseia-se na sua capacidade de suprimir a atividade do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal.5,6

    Teste de supressão com doses baixas

    Inicialmente realiza-se um teste de supressão com dexametasona em doses baixas. O protocolo inclui:

    • A colheita de uma amostra de sangue para determinação da concentração basal de cortisol.
    • Seguida da administração de dexametasona (0,01-0,015 mg/kg/IV)
    • E posterior colheita de amostras de sangue às 4 (t4) e às 8 (t8) horas.

    O jejum prévio não é considerado imprescindível, mas recomenda-se não alimentar o cão durante o teste.5

    A sensibilidade/especificidade deste teste varia entre 85-100%/44-73%, respetivamente, e para alguns autores é o teste de eleição para o diagnóstico do HAC espontâneo.4

    Num estudo recente, analisaram-se os diferentes padrões de resposta e a interpretação dos resultados deste teste:6

    • Padrão de supressão completa (cães saudáveis): cortisol t4 e t8 abaixo ou muito próximo do limite de deteção (cut-off) do laboratório (< 1-1,5 μg/dL).
    • Ausência de supressão (compatível com HAC): cortisol t4 e t8 > cut-off e redução < 50% do cortisol basal.
    • Supressão parcial (sugere HAC, interpretar com outros achados):  cortisol t4 e t8 > cut-off, mas um ou os dois < 50% do cortisol basal.
    • Padrão de escape (t4 < 1 μg/dL, t8 > 1 μg/dL) e padrão inverso (t4 > cut-off, t8 < cut-off). Realizar testes adicionais. Embora a presença de um padrão de escape (definido como t4 < 1,4 μg/dL e t8>t4) tenha sido considerada como indicadora de HAC de origem hipofisária,4,5 num estudo recente encontraram-se doentes com doença não adrenal que mostravam um padrão de escape.6

    Teste de estimulação com dexametasona em doses altas

    Assim que o HAC for confirmado, o teste de estimulação com dexametasona em doses altas pode ajudar a estabelecer a origem do mesmo

    O protocolo é o mesmo que no caso do teste com doses baixas, mas a dose de dexametasona no cão é de 0,1 mg/kg/ev.

    Em cães já diagnosticados com HAC, valores às 4-8 horas abaixo do cut-off ou uma supressão > 50% sugerem origem hipofisária em aproximadamente 75% dos doentes.5

    Conclusões

    Para além da sua utilidade terapêutica, a dexametasona em cães pode ser usada para avaliar a função adrenal em cães com suspeita de HAC, assim como para confirmar a origem do mesmo. No entanto, não devemos esquecer que não existe qualquer teste que permita estabelecer o diagnóstico de HAC com 100% de fiabilidade. Portanto, pode ser necessário combinar diferentes técnicas para chegar a um diagnóstico preciso.

    New call-to-action

    Bibliografia
    1. PLUMB DC. EM PLUMB DC. (ED) PLUMB’S VETERINARY DRUG HANDBOOK 7TH. PHARMA VET INC. 2011; 426-430.
    2. BENNAIM M, SHIEL RE, MOONEY CT. DIAGNOSIS OF SPONTANEOUS HYPERADRENOCORTICISM IN DOGS. PART 1: PATHOPHYSIOLOGY, AETIOLOGY, CLINICAL AND CLINICOPATHOLOGICAL FEATURES. VET J. 2019;252:105342
    3. BEHREND EM, KENNIS R. ATYPICAL CUSHING’S SYNDROME IN DOGS: ARGUMENTS FOR AND AGAINST. VET CLIN NORTH AM SMALL ANIM PRACT. 2010;40(2):285-296. 
    4. PÉREZ-ALENZA D, MELIÁN C. HYPERADRENOCORTICISM IN DOGS. EM ETTINGER SP, FELDMAN EC, COTE E. (EDS). TEXTBOOK OF VETERINARY INTERNAL MEDICINE. 8TH ED. ELSEVIER. 2017; 4345-4389. 
    5. BEHREND EN, KOOISTRA HS, NELSON R, ET AL. DIAGNOSIS OF SPONTANEOUS CANINE HYPERADRENOCORTICISM: 2012 ACVIM CONSENSUS STATEMENT (SMALL ANIMAL). J VET INTERN MED. 2013;27(6):1292-1304.
    6. BENNAIM M, SHIEL RE, MOONEY CT. DIAGNOSIS OF SPONTANEOUS HYPERADRENOCORTICISM IN DOGS. PART 2: ADRENAL FUNCTION TESTING AND DIFFERENTIATING TESTS. VET J. 2019;252:105343.