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    Glaucoma em cães: diagnóstico e tratamento

    O glaucoma em cães costuma ser uma doença dolorosa e representa uma das principais causas de cegueira nesta espécie.1

    Introdução

    O glaucoma foi definido como um conjunto heterogéneo de desordens progressivas caracterizadas pela apoptose das células ganglionares da retina e uma neuropatia ótica específica associada à escavação do disco ótico que leva à cegueira. 

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    Embora o aumento da pressão intraocular (PIO) tenha sido considerado fundamental para o desenvolvimento do glaucoma em cães, parece ser cada vez mais claro que existem outros mecanismos fisiopatológicos implicados na génese desta doença. Apesar de historicamente se terem empregado múltiplas terapêuticas (quer médicas, quer cirúrgicas) no tratamento do glaucoma em cães, ainda se considera hoje em dia que não tem cura e muitos cães perdem a visão do/s olho/s afetado/s.1

    Classificação do glaucoma em cães

    O glaucoma em cães pode ser classificado segundo vários critérios.

    • De acordo com a sua etiologia, pode ser congénito, primário ou secundário.
    • Em função da morfologia do ângulo iridocorneano, pode ser de ângulo aberto, de ângulo estreito ou de ângulo fechado.
    • Dependendo do seu estado, os glaucomas podem ser classificados como iniciais, não congestivos, agudos ou congestivos; crónicos ou em estado terminal.2  
       

    O glaucoma primário com fechamento do ângulo iridocorneano é a forma mais comum no cão. É considerada uma doença bilateral, embora não afete necessariamente ambos os olhos ao mesmo tempo, e tem uma base genética complexa, na qual foram identificados, pelo menos, 5 genes que favorecem o seu aparecimento.5

    O glaucoma secundário é uma consequência da existência de outra doença ocular. Incluem-se entre as causas mais frequentes a uveíte, a luxação do cristalino, cataratas e cirurgia de cataratas, o descolamento da retina e neoplasias.3

    Diagnóstico do glaucoma em cães

    Durante muito tempo, o diagnóstico do glaucoma baseou-se exclusivamente na demonstração de uma PIO elevada. Atualmente, sabe-se que algumas lesões glaucomatosas podem aparecer antes da elevação da PIO ocorrer ou mesmo depois da PIO ter voltado a valores normais.4

    • De qualquer forma, apurar a PIO através de tonometria continua a fazer parte do protocolo de diagnóstico do glaucoma em cães. Existem no mercado diferentes tipos de tonómetro, cada um com as suas limitações. Com exceção do Tonovet®, os restantes tonómetros estão calibrados para o olho humano e, por isso, tendem a subestimar a PIO no cão. De qualquer forma, com uma utilização adequada, todos são capazes de documentar com fiabilidade suficiente um aumento da PIO. Para uma interpretação correta dos resultados, os valores obtidos devem ser avaliados de acordo com o intervalo de normalidade estabelecido para o tonómetro que se utiliza.4
    • A avaliação gonioscópica do ângulo iridocorneano faz parte da avaliação diagnóstica do cão com suspeita de glaucoma. Esta técnica permite identificar o tipo de glaucoma e localizar o impedimento à drenagem do humor aquoso. Como a gonioscopia altera a PIO, a recomendação geral é que se realize antes da tonometria.
    • Nos últimos anos, tem-se vindo a incorporar a ultrassonografia de alta resolução nos procedimentos de diagnóstico do glaucoma, mas, tal como a gonioscopia, costuma ser uma técnica usada unicamente por especialistas.
       

    É importante estabelecer a capacidade visual do doente porque isso vai determinar qual é o protocolo de tratamento ideal. O médico de clínica geral pode realizar alguns exames para avaliar de forma global a capacidade visual de um olho glaucomatoso, mas uma avaliação mais objetiva e precisa requer remeter o doente para um especialista.4

    glaucoma cao

    Tratamento do glaucoma em cães

    Em doentes que apresentam um olho visual, o objetivo do tratamento é reduzir a PIO e atrasar a perda visão através de uma terapêutica médico-cirúrgica. No entanto, é preciso aceitar que muitas formas de glaucoma irão progredir apesar do tratamento e terminarão causando cegueira.1

    Se o olho já estiver cego, o objetivo é eliminar a dor e melhorar a qualidade de vida do doente.

    TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

    Têm-se historicamente empregado vários tipos de fármacos no tratamento do glaucoma em cães. Estes incluem agonistas colinérgicos (pilocarpina, carbacol, brometo de demecário), agonistas adrenérgicos não seletivos (epinefrina, dipivefrina), agonistas α2 adrenérgicos (apraclonidina e brimonidina), β-bloqueadores (timolol, levobunolol, metipranolol, carteolol, betaxolol), inibidores da anidrase carbónica (IAC) sistémicos (metazolamida) e tópicos (dorzolamida e brinzolamida) e análogos das prostaglandinas (AP, latanoprost, bimatoprost, travoprost).6

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    Entre estes, os mais usados hoje em dia são os IAC tópicos, porque mantêm a eficácia dos sistémicos, mas fazem-no com um perfil de segurança maior, e os AP. No passado, era habitual usar agentes osmóticos (manitol, hidroxietilalmido, glicerina) no tratamento inicial de urgência do glaucoma agudo congestivo. Contudo, o mecanismo de ação rápido dos AP levou a que fossem menos usados.6

    O facto de não haver uma terapia inteiramente eficaz para o tratamento do glaucoma faz com que continuamente se investiguem novos fármacos. O latanoprosteno bunod e o netarsudil são alguns dos mais recentemente desenvolvidos. Por outro lado, para facilitar o cumprimento terapêutico a longo prazo, foram desenvolvidos implantes que se colocam na córnea ou na câmara anterior e permitem a libertação prolongada do fármaco (geralmente AP), reduzindo a necessidade de aplicação tópica continuada.1,6

    Tratamento cirúrgico

    O objetivo do tratamento cirúrgico de um glaucoma com visão preservada é reduzir a PIO a fim de evitar lesão irreversível do nervo ótico. Para isso, é possível recorrer a diferentes técnicas cirúrgicas que facilitam a drenagem do humor aquoso (técnicas filtrantes) ou que diminuem a sua produção (processos ciclodestrutivos).7,8

    As técnicas filtrantes atuais baseiam-se na criação de um desvio para a eliminação do humor aquoso através da colocação de vários tipos de gonioimplantes.7

    As técnicas mais usadas para reduzir a produção do humor aquoso são a ciclofotocoagulação laser (CFCL), transescleral ou endoscópica, obtendo-se melhores resultados com a última.8 Entretanto, foi reportado há pouco tempo que uma variante da CFCL, a CFCL transescleral com micropulsos, permite um controlo adequado da PIO na maioria dos doentes com poucas complicações e, além disso, o procedimento pode ser repetido se for necessário.9

    No olho cego, a prioridade é o controlo da dor. Recomenda-se a enucleação em glaucomas secundários a tumores ou processos crónicos inflamatórios ou traumáticos. A evisceração com colocação de uma prótese intraescleral pode ser uma boa opção cosmética no glaucoma não neoplásico.

    Por último, a ablação química através de injeção intravítrea de gentamicina ou de cidofovir pode ser uma opção para o olho cego doloroso sem o risco anestésico ou as limitações económicas serem grandes. Contudo, estes procedimentos não estão isentos de complicações, algumas delas graves.7

    TRATAMENTO PROFILÁTICO NO OLHO SAUDÁVEL

    Apesar de não haver muita evidência sobre a sua eficácia, há muitos veterinários que administram tratamento antiglaucomatoso profilático no olho saudável de doentes com glaucoma. Alguns oftalmologistas recomendam a administração de dorzolamida e acetato de prednisolona ou um colírio com antibiótico e dexametasona.6

    Conclusões

    O glaucoma no cão pode ser uma doença frustrante para o veterinário. Muitos doentes podem apresentar-se com um olho já cego na consulta inicial. Embora inicialmente seja difícil para alguns tutores aceitar, o nosso objetivo nestes doentes é o controlo da dor e isso pode implicar aconselhar enuclear o globo ocular logo numa primeira fase. Por outro lado, se tivermos feito um diagnóstico precoce e o olho afetado tiver a visão preservada, é fundamental atuar rapidamente e expor aos tutores tanto as opções de tratamento médico, como as cirúrgicas.   

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    Bibliografia
    1. Komáromy AM, Bras D, Esson DW, et al. (2019). The future of canine glaucoma therapy. Vet Ophthalmol; 22: 726-740.
    2. Pizzirani S. (2015). Definition, classification, and pathophysiology of canine glaucoma. Vet Clin North Am Small Anim Pract; 45: 1127-1157.
    3. Pumphrey S. (2015). Canine secondary glaucomas. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2015; 45: 1335-1364.
    4. Miller PE, Bentley E. (2015). Clinical signs and diagnosis of the canine primary glaucomas. Vet Clin North Am Small Anim Pract; 45: 1183-1212.
    5. Komáromy AM, Petersen-Jones SM. (2015). Genetics of canine primary glaucomas. Vet Clin North Am Small Anim Pract; 45: 1159-1182.
    6. Alario AF, Strong TD, Pizzirani S. (2015). Medical treatment of primary canine glaucoma. Vet Clin North Am Small Anim Pract; 45: 1235-1259.
    7. Maggio F, Bras D. (2015). Surgical treatment of canine glaucoma: filtering and end-Stage glaucoma procedures. Vet Clin North Am Small Anim Pract.; 45:1261-1282.
    8. Bras D, Maggio F. (2015). Surgical treatment of canine glaucoma: cyclodestructive techniques. Vet Clin North Am Small Anim Pract.; 45:1283-1305.
    9. Sapienza JS, Kim K, Rodriguez E, et al. (2019). Preliminary findings in 30 dogs treated with micropulse transscleral cyclophotocoagulation for refractory glaucoma. Vet Ophthalmol; 22:520-528.