Ducto arterioso persistente caes: diagnóstico e tratamento
Introdução
O ducto arterioso é um vaso sanguíneo que se estende entre a bifurcação da artéria pulmonar e a fase ventral da aorta descendente após a origem da subclávia esquerda. Durante a gestação, o ducto permite o desvio de sangue materno oxigenado para a aorta, fazendo um bypass para os pulmões fetais não funcionais.
Em condições normais, no momento do nascimento e por vários mecanismos, o ducto encerra-se de forma permanente, dando lugar ao ligamento arterioso. O não encerramento do ducto é uma falha que determina o que se conhece como ducto arterioso persistente - uma das doenças cardíacas congénitas mais frequentes (a mais frequente segundo alguns estudos) em cães.1,3
O ducto arterioso persistente parece afetar mais as fêmeas e determinadas raças, tais como as raças bichon, chihuahua, cocker spaniel, collie, springer spaniel, pastor-alemão, keeshond, labrador, maltês, terra-nova, caniche, lulu da Pomerânia, e yorkshire terrier. Em algumas destas raças, suspeita-se que haja um modo de hereditariedade poligénico.1,2
Revisão fisiopatológica
O ducto arterioso persistente no cão permite a passagem de sangue desde a aorta descendente até à artéria pulmonar. Como a pressão na aorta é maior do que a pressão na artéria pulmonar, tanto em sístole como em diástole, cria-se um shunt esquerda-direita com sobrecarga de volume na circulação pulmonar, átrio e ventrículo esquerdos. Se o ducto for pequeno, o volume de sangue que passa através dele não é significativo e pode não ter consequências hemodinâmicas. Em ductos de tamanho grande, a sobrecarga de volume acaba por provocar insuficiência cardíaca esquerda. Contudo, em cerca de 15% dos casos (os de tamanho grande) pode produzir-se um aumento acentuado da resistência vascular pulmonar, hipertensão pulmonar e mudança na direção do fluxo, o qual passa a ir da artéria pulmonar para a aorta (shunt direita-esquerda ou ducto arterioso persistente revertido).1,2
Diagnóstico do ducto arterioso persistente em cães
A auscultação de um sopro contínuo com ponto de máxima intensidade ao nível da base cardíaca e a presença de pulsação hipercinética sugerem fortemente a existência de um ducto arterioso persistente.
Por outro lado, a cianose diferencial (metade caudal do organismo) num doente sem sopro, com policitemia e convulsões sugere um shunt direita-esquerda.1,2
Atualmente, a maioria dos casos de ducto arterioso persistente em cães é diagnosticada através de ecocardiografia. Em geral, observa-se hipertrofia excêntrica do ventrículo esquerdo e dilatação do átrio. Através de um acesso subcostal ou paraesternal esquerdo cranial em modo bidimensional, é possível identificar e medir o ducto, ao passo que o Doppler permite calcular as características do mesmo (direção e velocidade do fluxo). Em casos de reversão, observa-se hipertrofia do ventrículo direito, dilatação da artéria pulmonar e pode também ver-se insuficiência pulmonar. A ecocardiografia de contraste permite confirmar o diagnóstico de ducto arterioso persistente revertido.1-2
O eletrocardiograma pode mostrar sinais de engrandecimento das cavidades esquerdas e desvio do eixo elétrico para a esquerda, ao passo que se o ducto tiver revertido, podem ver-se sinais de hipertrofia ventricular direita.1
A radiologia pode evidenciar cardiomegalia, engrandecimento das cavidades esquerdas e dilatação da aorta. Numa projeção dorsoventral, podem detetar-se 3 proeminências alinhadas no lado esquerdo, o divertículo do ducto e a dilatação do trato de saída pulmonar e do átrio esquerdo. Além disso, é possível ver hipercirculação pulmonar e congestão e edema no caso de insuficiência cardíaca, assim como engrandecimento do ventrículo direito e artérias pulmonares tortuosas no caso de hipertensão pulmonar grave.1
Embora no passado o cateterismo fosse muito usado no diagnóstico desta doença, hoje em dia, ele é geralmente reservado apenas para animais que vão ser submetidos a um procedimento de intervenção e realizado nesse momento.1
Classificação
Uma vez estabelecido o diagnóstico, o ducto arterioso persistente pode classificar-se de acordo com:
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O seu tamanho e efeitos hemodinâmicos
Diferenciam-se: tipo 1 (pequeno), tipo 2 (médio), tipo 3A (grande), tipo 3B (grande com insuficiência cardíaca congestiva), e tipo 4 (grande com hipertensão e fluxo direita-esquerda ou bidirecional).4
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As suas características angiográficas
O ducto arterioso persistente em cães foi inicialmente classificado como sendo de tipo 1 (redução gradual da permeabilidade do ducto desde a aorta até à artéria pulmonar, prevalência de 5%), tipo 2A (redução gradual da permeabilidade do ducto desde a aorta até à artéria pulmonar, mas com estreitamento brusco ao nível da artéria pulmonar, prevalência 54%), tipo 2B (paredes paralelas e redução brusca do calibre ao nível da artéria pulmonar, prevalência 32,5%) e tipo 3 (paredes paralelas sem redução do calibre, prevalência 8%). Foram recentemente propostos o tipo 4 (múltiplos estreitamentos da ampola ductal) e o tipo 5 (outras configurações).5,6
Tratamento
O tratamento recomendado para o ducto arterioso persistente em cães com desvio esquerda-direita é o encerramento cirúrgico do mesmo. Foi estimado que, sem tratamento, 64% dos cães morrem antes de um ano de idade.1
Em cães assintomáticos, a cirurgia tem uma percentagem de êxito de 95%. Em doentes com sinais de insuficiência cardíaca, a estabilização prévia é muito importante porque quanto mais graves forem os sinais de ICC, maior é o risco do procedimento.1
Outra opção para o tratamento é o encerramento do ducto através da colocação minimamente invasiva de um dispositivo de oclusão vascular (inicialmente coils e, há vários anos, o Amplatzer® Canine Duct Occluder).3,7 Os ductos arteriosos de tipo 3 e os que se apresentam em cães de tamanho muito pequeno, cujo acesso vascular pode não permitir a colocação ou a libertação do dispositivo, não são considerados candidatos para este procedimento. Nestes casos, a cirurgia tradicional poderá ser a mais recomendável.3,6,7
As complicações associadas a este procedimento incluem embolização do dispositivo, reabertura do ducto, hemólise e, inclusive, morte.1 A persistência de um fluxo residual é frequente, mas, se a eleição do doente tiver sido adequada, a melhoria hemodinâmica é significativa e, em muitos casos, ocorre o encerramento total com o passar do tempo.
Ambas as modalidades de tratamento foram comparadas num estudo recente e conclui-se que embora a cirurgia tivesse complicações mais sérias, a percentagem de doentes que sobreviveu ao procedimento e recebeu alta era similar.8 Em geral, se o procedimento de encerramento tiver êxito e o doente não apresentar insuficiência cardíaca, recupera-se a esperança de vida que lhe corresponderia se não tivesse tido a doença. Se já havia insuficiência cardíaca, é provável que seja necessário continuar com tratamento médico. 1
Em doentes com hipertensão pulmonar e reversão completa do fluxo, está contraindicado o encerramento do ducto e segue-se uma abordagem baseada em tratamento médico sintomático.1,2,9
Conclusões
O ducto arterioso persistente em cães é uma cardiopatia congénita frequente. O diagnóstico precoce pode ter um impacto significativo no tratamento e na esperança de vida do animal. Se tivermos em conta que tanto o ducto arterioso, como outras cardiopatias congénitas provocam um sopro de características distintas, é fundamental realizar uma auscultação cuidadosa de todos os cachorros que atendemos no consultório. Perante a presença de um sopro, a menos que tenhamos muito claro que ele não é fisiológico, devemos sempre recomendar a realização de uma ecocardiografia que permita determinar se existe ou não uma cardiopatia congénita.