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    Coccidiose em cães: relevância clínica

    Embora os coccídios se conheçam há mais de 100 anos, o interesse clínico pela coccidiose em cães data dos anos 70.1

    Introdução

    Os coccídios são parasitas intracelulares obrigatórios do trato intestinal pertencentes à ordem Eucoccidiorida, em que se destacam as famílias Eimeriidae, Cryptosporidiidae e Sarcocystidae.

    Descubra

    Entre outros, os géneros Cystoisospora (previamente denominado Isospora), Hammondia, Besnoitia, Sarcocystis, Caryospora, Toxoplasma, Neospora, Cryptosporidium e Cyclospora infetam os cães e os gatos. Os parasitas do género Cystoisospora que infetam os cães e que podem ser responsáveis pela coccidiose intestinal incluem C. canis, C. ohioensis, C. burrowsi e C. neorivolta.1,3 

    Epidemiologia

    A coccidiose em cães é uma doença de distribuição global. As condições geográficas, a idade e o ambiente em que os animais estudados vivem são alguns dos fatores que causam a variação da sua prevalência.2 Em Espanha, vários estudos demonstraram prevalências que oscilam entre 0,6%-10,2%.1 Os rácios de infeção são mais elevados em cães mantidos em coletividades e em condições de salubridade fraca.3

    As principais vias de transmissão na espécie canina1,3 são a rota oral-fecal e a ingestão de comida ou de água contaminada com ooscistos de Cystoisospora spp. Não há evidência de transmissão lactogénica ou congénita e desconhece-se qual é o papel dos hospedeiros paraténicos na infeção natural. Em geral, a coccidiose em cães é entendida como uma doença de animais jovens; a maioria é infetada antes dos 4-6 meses de idade e a recorrência da doença é rara em cães com mais de 1 ano de idade.1,3

    Quadro clínico

    A coccidiose em cães pode progredir de forma inteiramente assintomática ou causar diarreia, a qual é autolimitativa em muitos casos. Contudo, em doentes muito jovens ou imunocomprometidos, a coccidiose pode causar diarreia grave e inclusive hemorrágica, a qual pode levar a desidratação e a um quadro clínico grave, podendo até causar a morte. De qualquer forma, a presença de protozoários entéricos nas fezes não estabelece uma relação de causa-efeito com o quadro clínico e devem considerar-se outras possibilidades.2,3 O cão pastor-alemão parece ter uma suscetibilidade maior ao padecimento de coccidiose do que os cães de outras raças.2 Em muitos casos, os sinais da doença manifestam-se após o transporte do animal ou são associados a mudanças de tutor. 2

    Diagnóstico

    O diagnóstico da coccidiose intestinal baseia-se na identificação de ooscistos não esporulados numa flutuação fecal. Como a eliminação de ooscistos pode ser errática, em caso de suspeita, recomenda-se examinar amostras de vários dias.2

    O único coccídio que é possível de identificar com certeza numa flutuação fecal é o C. canis devido ao seu tamanho grande.   C. ohioensis, C. burrowsi e C. neorivota têm tamanhos muito parecidos e não é possível distingui-los uns dos outros. De qualquer forma, este facto não é clinicamente relevante.1-2 A deteção de ooscistos com um tamanho de cerca de 10-14 μm sugere a presença de Hammondia / Toxoplasma / Neospora e a identificação definitiva requer resultados de PCR.1,2

    coccidiose em caes

    Tratamento e prevenção da coccidiose em cães

    Durante muitos anos, o tratamento da coccidiose baseou-se na administração de sulfonamidas de ação rápida como a sulfadimetoxina ou a sulfaguanidina, por si só ou em combinação com trimetoprim. De facto, esta última combinação costumava ser considerada o tratamento de primeira escolha. Outros fármacos usados no tratamento da coccidiose incluem nitrofurazona, amprólio, quinacrina, espiramicina, toltrazuril, ponazuril, tetraciclinas e roxitromicina.1,2

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    Atualmente os mais usados com base na sua eficácia e ausência de efeitos secundários relacionados com o uso de sulfonamidas são o toltrazuril e o ponazuril.1,2 Além disso, existe uma apresentação comercial que incorpora uma combinação de emodepside e toltrazuril com registo para tratamento de nemátodos e coccídios.4

    QUADROS PERSISTENTES OU CRÓNICOS

    Em doentes em que a coccidiose se associa a quadros persistentes ou de diarreia crónica, deve ser feito um esforço para identificar e tratar a imunossupressão ou qualquer doença subjacente associada. Além de tratamento específico, em doentes com quadros graves, poderá ser necessária a administração de fluidoterapia ou uma potencial transfusão de sangue em casos de hemorragia grave. Em cadelas lactantes, aconselha-se não só o tratamento da mãe, mas também dos cachorros.  

    De qualquer forma, é preciso ter em conta que muitos dos fármacos usados no tratamento da coccidiose em cães são coccidioestáticos, pelo que uma infeção latente pode, por vezes, manter-se. Isso pode levar ao desenvolvimento de uma premunição, ou seja, de uma infeção crónica persistente de grau baixo que torna o indivíduo resistente face ao desenvolvimento de uma infeção grave e que, portanto, previne a doença clínica.2

    HIGIENE EM RESIDÊNCIAS E ESTABELECIMENTOS DE CRIAÇÃO

    Como a coccidiose tende a ser um problema relacionado com condições de insalubridade, é muito importante reforçar as medidas de higiene em residências e estabelecimentos de criação. Contudo, quando uma residência ou estabelecimento de criação “limpos” ficam infetados devido à entrada de ooscistos de um animal novo, pode ser difícil eliminar a infeção.

    Nestes casos, aconselha-se:

    • Alojar os animais de modo a evitar a contaminação dos bebedouros e comedouros, assim como eliminar diariamente as fezes.
    • Todos os utensílios devem ser desinfetados com vapor, imersão em água a ferver ou amónio quaternário a 10%.
    • Limitar o acesso dos animais a hospedeiros intermediários e reforçar o controlo de insetos e baratas que possam servir de vetores mecânicos dos ooscistos.
    • Em cadelas gestantes, considerar o uso de coccidioestáticos pouco antes ou depois do parto para evitar a infeção dos cachorros.2

    Conclusões

    A coccidiose em cães é uma doença que observamos sobretudo em cachorros recém-adquiridos, geralmente oriundos de albergues ou estabelecimentos de criação com más condições sanitárias. Uma das primeiras medidas a tomar quando o cachorro se apresenta com um quadro de fezes moles ou diarreia é realizar uma análise coprológica. A desparasitação prévia não garante a eliminação total dos coccídios mesmo quando se usa um fármaco adequado.

    FAQs Alimentaçao

    Bibliografia
    1. Dubey JP, Lindsay DS. (2019). Coccidiosis in dogs-100 years of progress. Vet Parasitol; 266: 34-55. 
    2. Dubey JP, Greene CE. (2012). Enteric Coccidiosis. Em Greene CE (ed). Infectious Diseases of the Dog and Cat. 4th ed. Elsevier Saunders: 828-839.
    3. Litster AL, Nichols J, Hall K, et al. (2014). Use of ponazuril paste to treat coccidiosis in shelter-housed cats and dogs. Vet Parasitol; 202: 319-325.
    4. Altreuther G, Gasda N, Schroeder I, et al. (2011). Efficacy of emodepside plus toltrazuril suspension (Procox(®) oral suspension for dogs) against prepatent and patent infection with Isospora canis and Isospora ohioensis-complex in dogs. Parasitol Res; 109 Suppl 1: S9-20.