Tempo de leitura: 6 mins

Características clínicas da periodontite em cães

A periodontite em cães é um processo irreversível resultante da progressão da gengivite.1,2

Introdução

A periodontite é uma doença inflamatória das estruturas mais profundas de suporte do dente (ligamento periodontal, cimento e osso alveolar) causada por microrganismos. Esta inflamação é acompanhada da reabsorção irreversível do tecido conjuntivo que sustenta o dente no alvéolo, o que leva à perda de inserção da peça dentária.1,2

 

Guia GRATUITO → Guia de fisiopatologia gastrointestinal do cão e do gato parte  2.

 

Características da periodontite em cães

A periodontite em cães pertence ao complexo da doença periodontal (DP) e corresponde a uma evolução da gengivite. Ao contrário da gengivite, que se caracteriza pela presença de uma inflamação reversível do epitélio gengival e do tecido conjuntivo, a periodontite é um processo irreversível.1,3,4

American Veterinary Dental College distingue 4 estádios de DP dependendo da gravidade:

  • O primeiro corresponde à presença de gengivite.
  • Os 3 restantes referem-se à periodontite inicial, caracterizada por: 
    • uma perda de inserção periodontal < 25%;
    • periodontite moderada (perda de inserção 25-50%);
    • e periodontite avançada (perda de inserção > 50%).4

Prevalência

A periodontite em cães é mais prevalente e grave em cães de pequeno porte, embora também possa ocorrer em raças grandes, como o galgo e o basset hound. Embora se considere que a prevalência da periodontite aumenta com a idade, em determinadas raças pode já estar presente em idades muito precoces.1,4,5 Um estudo em cães da raça Yorkshire terrier mostrou que 98% dos cães avaliados (n = 50) já apresentavam evidência de periodontite ligeira em alguma peça dentária às 37 semanas de vida. As peças afetadas mais precocemente foram os caninos, seguindo-se incisivos, pré-molares e molares.6

É muito provável que cães com gengivite desenvolvam periodontite em alguma das peças afetadas, se o problema não for revertido:

  • Um estudo em cães schnauzer miniatura concluiu que em 98% dos animais a progressão ocorria em menos de 15 meses, sendo mais rápida em cães de idade avançada.7
  • Em cães de raça labrador com gengivite seguidos até 2 anos, 56,6% desenvolveu periodontite.4

Fatores a ter em conta no seu desenvolvimento

A presença de placa bacteriana tem um papel importante no desenvolvimento da periodontite em cães. No entanto, a progressão da doença poderá ser influenciada por outros fatores, já que nem todos os cães com placa desenvolvem periodontite em todos os dentes afetados. Entre estes fatores, incluem-se os defeitos na colocação das peças dentárias, o tipo de dieta e a falta de higiene dentária, assim como a falta de resistência a infeções.1,4

Contrariamente ao que acontece no ser humano, no cão, as bactérias Gram negativas são mais prevalentes em doentes sem doença periodontal e as Gram positivas predominam em casos de periodontite. Propôs-se que a periodontite não fosse causada pelo aparecimento de novas espécies patogénicas, mas por uma alteração nas proporções da microbiota Gram negativa.8

Como consequência da ação destes agentes patogénicos, dá-se uma libertação de agentes vasoativos (endotoxinas, péptidos quimiotáticos, proteínas tóxicas e ácidos orgânicos) que provocam a resposta do hospedeiro, caracterizada pela produção de citoquinas (IL-1β, IL-8), prostaglandinas e TNF-α, o que resulta em inflamação de grau variável, que vai desde uma gengivite ligeira a uma periodontite destrutiva.3,4

Sinais clínicos da periodontite em cães

Os sinais clínicos incluem halitose, ptialismo, anorexia, alterações na cor da gengiva, aumento da mobilidade dos dentes, abcessos periodontais e periapicais, osteomielite, fraturas patológicas, fístulas oronasais, corrimento nasal e espirros.1,2

 periodontite em cães

Tratamento da periodontite

A base do tratamento da periodontite em cães é o controlo da placa. Para tal, o primeiro passo é a realização de uma limpeza dentária sob anestesia geral. Em doentes com periodontite progressiva ou grave, pode ser necessário recorrer à cirurgia mucogengival e curetagem aberta, mas em determinados casos a melhor opção para o doente pode ser a extração da peça afetada.4

 

Descarregue GRÁTIS →  Guia de fisiopatologia gastrointestinal do cão e do gato 3

 

Tradicionalmente recomendava-se a administração de antibióticos antes da anestesia e durante os 7-10 dias posteriores.1 No entanto, esta medida foi recentemente questionada.8 Caso se considere necessária a administração de antibióticos, a cefazolina (30-60 minutos antes do procedimento) pode ser uma boa opção. Geralmente, não está indicado tratamento antibiótico posterior.8

As exceções a esta recomendação incluem a presença de estomatite ulcerativa, gengivite muito grave com sangramento espontâneo num doente que requeira sutura gengival ou a realização de um procedimento cirúrgico limpo noutra localização durante o mesmo procedimento anestésico.3 Recomenda-se o uso de gluconato de clorexidina antes de iniciar o procedimento.2

Deve ser tido em conta que, sem cuidados posteriores, a placa bacteriana adere à superfície do dente nas 24 horas seguintes à limpeza, que as bolsas periodontais voltam a infetar-se em 2 semanas e que, em menos de 6 semanas, atingem a profundidade prévia à limpeza.2

Portanto, o tratamento dentário em casa é imprescindível para o controlo da periodontite em cães. Considera-se a escovagem dentária regular o método mais eficaz para a eliminação mecânica da placa. Além disso, os biscoitos mastigáveis com uma formulação adequada também contribuem para uma melhor saúde dentária.

Por outro lado, os aerossóis orais, os elixires bucais e os aditivos para a água geralmente não são suficientes para este propósito.2

Conclusões

A periodontite em cães é um processo que se vê com muita frequência nas consultas generalistas e que pode ter grandes consequências na saúde do cão. Tendo em conta que é um processo irreversível mas controlável, é importante fazer-se um diagnóstico precoce e estabelecerem-se planos de tratamento adequados. Neste sentido, são fundamentais a envolvência dos tutores na manutenção de uma higiene oral correta desde idades precoces e a realização de exames periódicos da cavidade oral, preferencialmente sob anestesia.

 

Nuevo llamado a la acción

 

 Bibliografia
1.     Albuquerque C, Morinha F, Requicha J, et al. Canine periodontitis: the dog as an important model for periodontal studies. Vet J. 2012; 191: 299-305.
2.     Niemiec B, Gawor J, Nemec A, et al. World Small Animal Veterinary Association Global Dental Guidelines. J Small Anim Pract. 2020; 61: E36-E161.
3.     Harvey C. The relationship between periodontal infection and systemic and distant organ disease in dogs. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2022; 52: 121-137.
4.     Wallis C, Holcombe LJ. A review of the frequency and impact of periodontal disease in dogs. J Small Anim Pract. 2020; 61: 529-540.
5.     O'Neill DG, Mitchell CE, Humphrey J, et al. Epidemiology of periodontal disease in dogs in the UK primary-care veterinary setting. J Small Anim Pract. 2021; 62:1051-1061.
6.     Wallis C, Pesci I, Colyer A, et al. A longitudinal assessment of periodontal disease in Yorkshire terriers. BMC Vet Res. 2019; 15:207.
7.     Marshall MD, Wallis CV, Milella L, et al. A longitudinal assessment of periodontal disease in 52 Miniature Schnauzers. BCM Vet Res. 2014;10:166. 
8.     Davis EM, Weese JS. Oral microbiome in dogs and cats: dysbiosis and the utility of antimicrobial therapy in the treatment of periodontal disease. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2022; 52: 107-119.