Há alguma associação entre o calicivírus felino e a gengivoestomatite?
Os gatos têm tendência para infeções no trato respiratório superior, sendo que 90% dos casos são causados pelo calicivírus felino (CVF) e pelo herpesvírus felino (HVF). Embora existam vacinas contra o CVF, esta doença continua a ser comum na prática veterinária e costuma provocar outros problemas e coinfeções que afetam a qualidade de vida do gato.
Os sintomas do calicivírus felino
A infeção por calicivírus felino costuma provocar um quadro moderado de gripe felina acompanhado de secreções nasais. Algumas cepas causam febre, fraqueza, anorexia e coxeio nos gatos jovens, mas, normalmente, estes recuperam em poucos dias. Outras cepas podem ser muito virulentas e provocar uma rápida deterioração do organismo que pode ter consequências fatais.
No entanto, muitas vezes, o único sintoma do CVF é o aparecimento de aftas na língua, no paladar e/ou no nariz. De facto, um estudo realizado por Berger A. et al.1 que analisou 200 gatos com CVF e 100 gatos saudáveis concluiu que “as úlceras orais, a salivação, a gengivite e a estomatite são sinais clínicos associados a uma infeção por CVF, muito mais do que os sintomas clássicos (espirros e secreção nasal e ocular)”.
A prevalência da gengivoestomatite em gatos com calicivírus felino
A gengivoestomatite felina é uma síndrome comum nos gatos, embora a sua etiologia ainda seja desconhecida. A teoria mais aceite aponta para uma origem multifatorial e indica a existência de diferentes agentes infeciosos.
Um estudo realizado por Belgard S. et. al.2 investigou a prevalência de diferentes vírus, entre eles o calicivírus felino, em 52 gatos com gengivoestomatite crónica e um grupo de controlo composto por 50 gatos da mesma idade. Descobriram que a presença de ARN de CVF era significativamente mais comum em gatos com gengivoestomatite crónica (53,8%) do que no grupo de controlo (14%).
Os investigadores também detetaram uma diferença significativa na prevalência de anticorpos contra o CVF entre os gatos com gengivoestomatite crónica (78,8%) e o grupo de controlo (58%). Relativamente aos restantes agentes infeciosos investigados, não houve diferenças significativas na prevalência entre os gatos com gengivoestomatite crónica e os controlos. Portanto, os investigadores concluíram que “o CVF, e nenhum outro agente infecioso, está habitualmente associado à gengivoestomatite crónica em gatos”.
No mesmo ano, Dowers K.L. et al.3 publicaram um estudo no qual examinaram a relação entre o calicivírus felino e a gengivoestomatite. Analisaram as amostras de sangue de 70 gatos com gengivoestomatite e 61 gatos saudáveis de controlo para anticorpos contra algumas espécies de Bartonella através de um imunoensaio enzimático e Western blot, assim como para o ADN com PCR convencional. Também analisaram 42 amostras de biópsias orais de gatos com gengivoestomatite e 19 de gatos saudáveis para o ARN do CVF, o ADN do HVF-1 e o ADN de Bartonella spp.
Os resultados não mostraram diferenças entre os dois grupos de gatos relativamente às taxas de seroprevalência das espécies de Bartonella, do ADN no sangue e tecidos e do ADN de HVF-1. No entanto, o ARN do CVF estava mais presente nos gatos com gengivoestomatite (40,5%) do que nos gatos de controlo, nos quais não foi detetado. Portanto, os investigadores concluíram que existe uma relação entre estas patologias.
A origem da gengivoestomatite poderá estar numa alteração do sistema imunitário local, que responde de forma exagerada perante a presença de estímulos antigénicos crónicos, como o calicivírus. Visto que mais de 80% dos gatos que sofrem de processos inflamatórios crónicos na cavidade oral testam positivo para o isolamento do CVF da orofaringe, de acordo com outra análise realizada por Dambolena I.S. et al.4, também se pensa que o calicivírus poderá facilitar a penetração de outros agentes, por danificar a membrana das células.