Fisioterapia veterinária: uma disciplina emergente
O início da fisioterapia veterinária atribui-se, de grosso modo, a Sir Charles Strong, um fisioterapeuta da casa real britânica que, na década de 30 do século XX, se dedicou ao tratamento por meio de estimulação elétrica das lesões que os membros da casa real sofriam após jogarem pólo. Sendo inicialmente um tratamento para humanos, posteriormente o médico começou a usá-lo em cavalos usados nos jogos de pólo. A evolução da sua aplicação prática tomou forma em 1967, com a publicação do primeiro livro sobre terapias físicas para cavalos, escrito por Charles Strong. Esta contextualização histórica explica-nos o porquê de a fisioterapia veterinária ser um campo mais desenvolvido nos países anglo-saxões, já que foi lá que foi originada, bem como a sua aplicação mais abrangente em animais que são usados em competições. Ainda assim, a fisioterapia veterinária foi-se expandindo, e atualmente engloba mais âmbitos e contextos.
Hoje em dia, podemos distinguir três grupos principais de atuação dentro da fisioterapia veterinária:
- Pequenos animais, principalmente cães e gatos.
- Grandes animais. Nesta área, o principal é o cavalo.
- Animais exóticos. Neste grupo, a fisioterapia veterinária centra-se sobretudo em animais de circo, do jardim zoológico, etc.
Além disso, dentro dos diferentes grupos devemos estabelecer uma distinção em função de os animais cumprirem uma função específica, já que irá diferenciar o tipo de tratamento fisioterapêutico de que necessitam. Por exemplo, não podemos tratar de igual forma um cavalo de competição e um cavalo que seja apenas seja montado ocasionalmente e de forma recreativa; da mesma maneira, o planeamento do tratamento de um cão doméstico nunca poderá ser o mesmo do de um cão polícia ou de resgate. Apesar de a disciplina de fisioterapia veterinária ter tido um início muito ligado aos animais de competição, atualmente é uma área emergente dentro da medicina veterinária, com múltiplas aplicações. Além disso, o seu desenvolvimento científico é cada vez mais importante, englobando um maior número de trabalhos e estudos apresentados em congressos.
Existem várias justificações para o incremento da utilização da fisioterapia veterinária, e da sua maior evolução no decurso dos últimos anos. A procura, por parte dos próprios donos dos animais, de técnicas menos invasivas e mais naturais, aliada ao fator económico, constituem as razões mais relevantes que permitiram o seu desenvolvimento. No entanto, com o aumento desta procura, surgem novos conflitos que será necessário moderar e resolver progressivamente. Atualmente, um dos grandes problemas da fisioterapia veterinária é a formação e capacitação de profissionais. Isto torna-se um problema latente se, por exemplo, ilustrarmos a questão por meio de duas definições de fisioterapia veterinária totalmente diferentes, dadas por duas associações.
De acordo com a AVMA (American Veterinary Medical Association) a terapia física veterinária (fisioterapia) é o uso de técnicas não invasivas, excluindo as técnicas de quiropraxia veterinária, que são utilizadas na reabilitação de lesões em animais não humanos. Segundo a mesma associação AVMA, o fisioterapeuta veterinário deverá estar sempre sob supervisão veterinária. Pelo contrário, a definição dada a partir de um ponto de vista mais próximo às associações de fisioterapia descreve a disciplina como a ciência que aplica a biomecânica, física, anatomia, fisiologia e psicologia a pacientes que apresentam mau funcionamento, lesão, dor ou outras anormalidades.
Alguns autores, inclusive, acrescentam que nenhuma das duas definições anteriores é completa, dado que ambas esquecem o diagnóstico fisioterapêutico ou a prevenção das lesões, o que exclui grande parte da prática habitual de fisioterapia. Desta forma, podemos verificar como não existe concordância na exatidão do campo de atuação, o que posteriormente acarreta conflitos na independência profissional e intrusividade. A nível docente também existem problemas, já que não há unanimidade em relação à criação de planos de estudo: quem está habilitado para outorgar os títulos, quem pode exercer a atividade de acordo com o valor oficial desses títulos, etc. Ainda assim, todos estes conflitos não deverão impedir os animais de beneficiar dos melhores tratamentos disponíveis para a melhoria da sua saúde. Nesse sentido, uma abordagem multidisciplinar irá assegurar melhores cuidados e atenção.
Devemos recordar que as patologias degenerativas do sistema muscular e esquelético constituem uma importante causa de morbilidade. Por exemplo, a osteoartrite é a causa mais frequente de claudicação nos cães, estimando-se que cerca de 20% dos cães com mais de um ano de idade sejam afetados. A fisioterapia, inserida num programa multidisciplinar, pode proporcionar muitos benefícios. Esse programa multidisciplinar não deverá ser unicamente baseado em técnicas físicas.
É necessário ter em conta que a doença degenerativa articular é uma doença geral da articulação, acelerada pelo excesso de peso e pela idade, o que nos irá obrigar a adotar medidas multimodais de curto prazo para a sua melhoria (tratamento da dor) e de longo prazo (exercício e dieta), sendo que estas últimas são destinadas a atrasar e estabilizar as possíveis lesões. A dieta constitui um fator essencial. Garantir o fornecimento adequado de elementos como a glucosamina e o sulfato de condroitina, que inibem a degradação da cartilagem, bem como ácidos gordos ómega 3 e vitamina K, que ajudam na prevenção da perda de massa óssea e fraturas. Por esta razão, é necessário assegurar a ingestão destes elementos. Para concluir, a fisioterapia veterinária é uma disciplina inserida na medicina veterinária e que cada vez possui mais importância, sem esquecer a abordagem multidisciplinar destas patologias de elevada frequência e com alta morbilidade.
- Grognet J. Animal Physiotherapy — Assessment, Treatment and Rehabilitation of Animals Can Vet J. 2009 Mar; 50(3): 286