Alopecia em gatos: avaliação clínica e diagnóstico diferencial
Introdução
A alopecia em gatos pode ser definida como falta de pelo total ou parcial em diferentes partes do corpo sem que existam necessariamente outras mudanças significativas ao nível da derme superficial.1,2
O termo hipotricose usa-se como sinónimo de alopecia parcial seja de que origem for, mas num sentido mais estrito deveria ser empregue como sinónimo de alopecia congénita.3 De um modo muito geral, a alopecia pode ser consequência de:
- uma alteração na produção ou crescimento do pelo,
- uma perda excessiva autoinduzida (por prurido ou desordem psicogénica)
- ou uma perda excessiva do pelo já existente (rutura do pelo, foliculite ou atrofia folicular).
Diferentes doenças felinas podem causar padrões alopécicos com base nestes mecanismos.1,2
Avaliação clínica da alopecia em gatos
Na avaliação da alopecia em gatos, um dos aspetos críticos é estabelecer se a queda de pelo é espontânea ou se, pelo contrário, é o gato que arranca o pelo lambendo-se ou coçando-se (alopecia autoinfligida). Para isso, a observação do aspeto do pelo usando um microscópio (tricograma) é muito útil. É importante estabelecer se a alopecia é focal ou multifocal, difusa ou generalizada, simétrica ou assimétrica, e que padrão de distribuição segue, já que tudo isso irá contribuir para descobrir a causa.
De qualquer forma, o exame não se deve limitar à pele. O que se deve fazer é um exame físico completo para avaliar a possível existência de uma doença interna.2 Uma vez terminada a avaliação inicial do gato com alopecias e, conforme for o caso, é indicado que se façam outras análises de diagnóstico, tais como raspagens, citologias, especificações hormonais e biópsias.3
Diagnóstico diferencial da alopecia em gatos
As doenças que causam alopecia por alteração na produção ou no crescimento do pelo são maioritariamente doenças hereditárias raras, as quais estão presentes desde o nascimento e cujo diagnóstico definitivo se baseia normalmente nos resultados do exame histopatológico. Neste grupo, encontra-se a hipotricose congénita nos gatos sphynx, que também foi reportada em gatos devon rex, birmaneses e siameses. Nas últimas duas raças mencionadas, foi identificado um padrão hereditário autossómico recessivo. A displasia das glândulas sebáceas causa uma hipotricose progressiva que pode afetar todo o corpo e que no seu percurso costuma apresentar seborreia ligeira sem sinais de inflamação.
O pili torti (pelo torcido) é outra causa de alopecia por alteração no crescimento do pelo. No tricograma observa-se um achatamento e rotação longitudinal dos pelos secundários, além de apresentar paroniquia e dermatite periocular e podal na sua progressão.
Por último, os gatos abissínios apresentam uma dermatopatia alopécica que afeta exclusivamente os bigodes e os pelos primários e que é caracterizada por apresentar no exame tricográfico uma inflamação em forma de cebola na extremidade do pelo.1,2
Existem várias doenças que podem causar alopecia autoinduzida no gato. Nestes casos, o primeiro passo a dar é tentar verificar se é o gato que arranca ou não o próprio pelo. Enquanto alguns tutores poderão relatar uma catação excessiva, outros poderão considerar esse comportamento como sendo absolutamente normal. O tricograma (pelos com rutura distal, presença de ectoparasitas) ou a análise às fezes (quantidade excessiva de pelo) permitem estabelecer se a alopecia é autoinduzida. Este tipo de alopecia costuma seguir um padrão simétrico, afetando o abdómen ventral, região caudomedial dos músculos e períneo e progredir, por vezes, para o resto do corpo, incluindo flancos, região lombar, pescoço e membros. Em geral, a pele não apresenta sinais de inflamação. Uma vez estabelecido que a alopecia é autoinduzida, o passo seguinte consiste em determinar se o animal apresenta prurido ou se, pelo contrário, se trata de um problema de comportamento (alopecia psicogénica).1,2
Entre outras, as seguintes doenças causam prurido: 1) hipersensibilidade à picada de pulga; 2) dermatite atópica; 3) a cheyleteliose; 4) infestações por Otodectes cynotis; 5) trombiculíase; 6) hipersensibilidade alimentar; e, 7) dermatofitose (a alopecia pode também ser consequência da invasão do folículo pelo dermatófito).2
Outras causas frequentes de prurido no gato são: a saculite anal, foliculites bacterianas, desordens seborreicas, síndrome hipereosinofílica, doenças autoimunes, demodicose, dermatite de contacto, reações a medicamentos, ou hipersensibilidade a parasitas internos.1
A alopecia psicogénica felina corresponde a um padrão de comportamento caracterizado por lambidelas intensas a si próprio com arrancamento do pelo e catação excessiva e persistente sem motivo aparente. O seu aparecimento foi relacionado com situações de stresse recente e com o padecimento de outras doenças.1
A alopecia espontânea pode ser uma consequência do padecimento de várias doenças, como por exemplo, endocrinopatias (hipotiroidismo, hiperadrenocorticismo e diabetes mellitus), dermatofitose, demodicose, eflúvio telegónico, desordens nutricionais, mucinose folicular mural degenerativa, pseudopeladura, alopecia areata, tricorrexe nodosa, reações no ponto de injeção, administração de fármacos (alguns quimioterapêuticos), neoplasias, alopecia do pavilhão auricular felino, alopecia pós-traumática e hiperplasia da glândula da cauda. Nestes doentes, o tricograma costuma evidenciar pelos normais em telógeno que se depilam facilmente.1,2
Conclusões
A alopecia em gatos, quando não tem uma origem genética conhecida (gatos sphynx), costuma ser motivo de preocupação para os tutores, os quais procuram imediatamente assistência veterinária. Encontrar a causa da alopecia nem sempre é fácil, pois há muitas doenças que a podem provocar. No entanto, uma boa anamnese e um exame físico completo, assim como a realização de um tricograma podem permitir delimitar muito o diagnóstico e as análises adicionais que possamos precisar para fazermos um diagnóstico preciso.